Andrea Nunes | Histórias que Inspiram #17
“A maternidade me tornou uma profissional melhor, mais focada, mais determinada.”
Uma vez por mês, eu compartilho histórias inspiradoras de profissionais que se reinventaram na carreira. Seja mudando de atividade, criando um projeto paralelo, ou trabalhando em uma nova carreira, sempre em busca de uma vida equilibrada e com significado. Pegue sua xícara de café e boa leitura!
Essa é a segunda edição seguida do Histórias que Inspiram em que a entrevistada veio de uma newsletter vizinha — uma “amiga do Substack”. Pode parecer banal, mas, para quem tem um caso antigo com a era dos blogs (um dia eu conto a história de como conheci o Márcio e nos casamos por meio dos nossos blogs), encontrar essas pessoas por escrito e depois conhecê-las de verdade, com voz e olhos, é um presente.
Para o mês de maio, mês das mães, eu queria compartilhar a história de uma mulher que se reinventou profissionalmente depois da maternidade.
Não uma reinvenção daquelas de virada brusca, mas daquelas que vão chegando devagar, como quem vai abrindo espaço dentro da vida para o novo — porque é assim que a maternidade costuma nos atravessar.
A gente muda. As prioridades mudam. A energia, os valores, os tempos e até os sonhos. E, muitas vezes, a carreira precisa acompanhar esse novo mapa interno.
"Ser mãe me atravessa por inteiro — transformou o que eu sei fazer, como faço e até o que escolhi não fazer mais.”
— Taís Araújo
Ser mãe mexe com tudo. Comigo, mexeu. A maternidade foi minha maior reinvenção pessoal e profissional. Aos 15 anos, Pietro continua me ensinando coisas que nenhuma pós-graduação em carreira seria capaz de oferecer.
Foi com esse olhar que fui conversar com a
, da newsletter Andrea Me Conta. Casada com o Paulo, ela é mãe do Rafael, de 10 anos, e da Mariana, de sete, a história dela fala de recomeços, de redesenhar a vida depois da chegada dos filhos e de se reconectar com o que faz sentido em diferentes fases da vida. E, entre essas conexões, está o lançamento do seu primeiro livro, Engravidei, mesmo nome de seu antigo blog.Separa a xícara de café ou chá de camomila (tá frio aqui em Porto Alegre) e curte a minha conversa com a Andrea. Ah, se você conhecer alguma mulher que precisa se inspirar, compartilha este texto com ela.
→ Como foi o início da sua carreira?
Sou de Jaú, interior de SP, e me mudei para a capital para estudar Propaganda e Marketing na ESPM. Quando terminei a graduação, emendei um MBA na Austrália. Ao retornar ao Brasil, fui trabalhar em uma grande empresa de eventos e me apaixonei por esse mundo caótico. Era uma rotina intensa (às vezes eu virava zumbi, confesso), mas eu estava com vinte e poucos anos e topava tudo.
Depois, saí dessa empresa e abri meu próprio negócio de eventos ao lado de dois sócios. Com o passar do tempo, meu pai, que já tinha uma consultoria consolidada em Ribeirão Preto, me pediu ajuda para organizar os eventos da empresa.
Por um tempo, consegui me dividir entre a minha sociedade e o trabalho na consultoria do meu pai — até que chegou o momento em que precisei escolher. E fui trabalhar ao lado dele.
→ Quando nós conversamos pelo WhatsApp, você comentou que a maternidade te deixou mais focada e determinada. Como isso aconteceu na prática?
Foi um “antes e depois” muito claro. Antes de o Rafa nascer, eu estava sobrecarregada, mas ainda tinha tempo para procrastinar. Ia pra academia no meio da tarde e podia virar a noite trabalhando, se precisasse.
Mas, depois que o Rafa nasceu, isso mudou. Ele mamava no meu colo enquanto eu respondia e-mails com a outra mão. E ele não dormiu bem por um ano e meio. Eu estava exausta. Só que, mesmo assim, a empresa seguia. E aí eu percebi: ou eu focava, ou eu afundava.
Ele entrou na escolinha com nove meses e, naquele período de quatro horas que eu tinha pra trabalhar, virei uma máquina de produtividade. Acionei meu hiperfoco e fazia render como nunca.
→ E como foi estabelecer limites nesse novo contexto de maternidade e empresa familiar?
Foi um processo longo e difícil. Antes, eu tinha dificuldade em dizer “não”, especialmente para o meu pai. Ele sempre quis que as decisões passassem por ele. E, como já era conhecido e respeitado no setor, eu me sentia ainda mais insegura.
Mas, com a maternidade, veio também a necessidade de me posicionar. Eu precisava dizer: “isso eu posso resolver agora; isso, só amanhã de manhã”. E comecei a organizar meus horários: reuniões longas, só pela manhã; a tarde era do Rafa. Meu pai, por exemplo, me ligava às 22h às vezes — e eu tive que colocar limites nisso também.
Não aconteceu do dia pra noite. Demorou mais de um ano até eu conseguir me impor de fato. Mas esse processo foi me dando coragem e maturidade.
→ Em algum momento essa força virou ousadia nas decisões do negócio?
Virou! E mudou tudo. Um dos marcos foi quando eu propus mudar o local do evento principal da empresa para um centro de convenções recém-inaugurado: muito mais caro e ousado. Meu pai, super tradicional, queria manter no mesmo lugar de sempre. Mas eu tinha dados, pesquisas com participantes e uma intuição afiada de que era hora de mudar. Bati o pé e consegui.
Foi uma conquista profissional, claro. Mas também um rompimento simbólico com o papel de filha obediente. A maternidade me fez entender que, se eu não assumisse meu lugar, eu ia ficar sempre nesse limbo — nem sócia, nem filha, sem autonomia.
Foi como se o Rafa tivesse me dado, sem saber, a coragem que eu precisava para crescer de verdade.
Ah, e foi só quando meu pai ouviu da minha boca que não teria outro neto porque eu não aguentava fazer tudo sozinha… que ele finalmente liberou a verba pra eu contratar ajuda no comercial. Chantagem emocional com final feliz, rs.
→ Você sente que a maternidade te ensinou alguma habilidade que você hoje leva para o trabalho?
Muitas! Mas a comunicação talvez tenha sido a mais evidente. Antes de ser mãe, eu não tinha muita paciência… se alguém me perguntava a mesma coisa duas vezes, eu já me irritava. Era aquele modo turbo: “já falei, bora pra próxima”.
Com a maternidade, isso foi mudando. Acho que hoje eu escuto de um jeito diferente, mais presente, sabe? Escuto como escuto meus filhos. Tento entender não só o que está sendo dito, mas o que está por trás daquilo. Qual sentimento está escondido ali? O que aquela pessoa realmente está precisando naquele momento?
É curioso, porque isso não existia na minha infância. Mas agora, desde muito cedo, as escolas incentivam a nomear emoções. E eu fui aprendendo junto com eles. Quando rola um conflito aqui em casa — tipo briga por brinquedo, mordida, lágrimas — a pergunta não é mais “quem começou?”, mas sim: “o que tem por trás disso?”.
Essa escuta mais ativa, mais empática, virou parte do meu jeito de lidar com as pessoas no trabalho também.
→ Além da escuta, você percebe outros aprendizados da maternidade que refletem na sua forma de liderar ou lidar com a rotina profissional
Sim! Dois que me vêm na hora: a flexibilidade e a capacidade de respirar antes de explodir.
Eu sou virginiana, controladora por natureza. Gosto das coisas do meu jeito, no meu tempo, dentro da planilha mental que montei. Mas a maternidade ensina que, se você não aprende a ceder... você pira. Aprendi a respirar. A olhar para o caos — a parede riscada de canetinha, o brinquedo quebrado, o deadline apertado — e dizer: “ok, vamos resolver uma coisa por vez”.
Durante a pandemia, tive um burnout. E isso me ensinou, na marra, que se eu não aprendesse a relaxar, o corpo ia cobrar. Então hoje, no trabalho, mesmo quando o circo está pegando fogo, eu tento fazer o mesmo exercício que faço em casa com meus filhos: respirar fundo e perguntar “como a gente resolve isso juntos?”.
Às vezes dá certo, às vezes a mãe aqui também surta (não sou de ferro, né?). Mas o que mudou mesmo foi a consciência — eu não saio mais reagindo no automático. A maternidade virou uma escola silenciosa de mediação de conflitos, autocontrole e, principalmente, leveza.
→ A maternidade traz essa forma de olhar a vida com mais leveza, né? Porque não dá pra planejar tudo. A gente tem certeza, na maternidade, de que planejamento é só uma ideia — e a vida vai se construindo conforme o que vai acontecendo no dia a dia, né?
É, é isso mesmo. E o meu marido até brinca comigo, porque ele diz: “Nossa, você era tão irritadinha... como é que agora você consegue aguentar tanta coisa sem surtar?” E eu penso: se eu fosse ficar irritadinha com tudo, não ia dar pra viver.
A gente aprende a ceder, a improvisar, a respirar. Porque a vida com filhos não permite que a gente fique no controle o tempo todo e, se você tentar, enlouquece.
→ Mas, ao mesmo tempo, você acha que a maternidade também te fez se planejar mais?
Totalmente! Eu comecei a me planejar mais por sobrevivência, mesmo. Hoje em dia, eu saio de casa já com tudo mapeado: levo as crianças na escola, aproveito pra resolver algo no caminho, volto, encaixo as reuniões, penso no horário de buscar, de levar na aula de teatro... virou uma operação logística!
Antes, mesmo sendo virginiana, eu levava as coisas meio com a barriga porque eu tinha tempo. Agora, não dá. Eu preciso planejar bem o dia pra conseguir fazer tudo sem surtar.
E tem um detalhe importante: comecei a colocar pausas entre um compromisso e outro. Pequenos respiros. Porque alguma coisa vai dar errado. E, se eu estiver com tudo encavalado, aí sim vou ficar frustrada. Esses respiros me ajudam a manter a leveza — porque não tem como controlar tudo, mas dá pra criar uma margem de respiro quando o caos vier bater na porta.
→ Maternidade não é algo que a gente aprende numa faculdade. Não tem um manual que dê conta de tudo. Até existem livros, mas, no fim das contas, cada maternidade é diferente — e você, que teve dois filhos, sabe bem disso: o que funciona com um, não funciona com o outro. Você consegue imaginar sua carreira sem os aprendizados da maternidade?
De jeito nenhum!! Não dá pra aprender em lugar algum. E é exatamente isso — tanto a gravidez quanto a maternidade foram super diferentes com cada um dos meus filhos. O que funciona com um, não funciona com o outro. É tipo gestão de equipe (risos). Você tem que adaptar a abordagem, entender os perfis, descobrir como motivar, acolher, lidar com as birras (ou crises) de jeitos diferentes. É um aprendizado que molda tudo — inclusive quem a gente é no trabalho e na vida.
→ E o que você faz pra aliviar a tensão do dia a dia? Tem alguma coisa que te ajuda a relaxar a mente?
Sim! Eu pratico yoga e jogo beach tênis — jogo pra caramba, aliás!
Teve uma segunda-feira, por exemplo, que foi um caos. Todo mundo aqui em casa acordou atrasado — inclusive eu! Só que, em vez da galera se mexer, colocar uniforme… não, eles ligaram o iPad! E eu: “Gente! Vocês vão perder a primeira aula!”
Aquela correria toda, levei na escola meio afobada e fui direto pra aula de beach tênis, que é perto de casa. Eu ainda tava no modo acelerado, com o coração batendo forte. Mas na hora que pisei na areia… ufff, pensei: “Que bom que eu tô aqui.”
→ A escrita também é esse espaço para você se refugiar, como um momento para descansar a mente?
Sim! É até curioso, porque outro dia fui para Jaú, na casa dos meus pais, e achei uns textos meus das antigas, tipo de 94, 95, nas minhas agendas. Eu olhei e pensei: “Cara, olha só, eu já escrevia!”. Tinha até esquecido disso.
E aí, quando engravidei, comecei a escrever um blog Engravidei. Todas as minhas angústias, momentos emocionados, tudo eu colocava lá. Mas era um blog só para a família e uns poucos amigos, nunca divulguei. Depois que o blog acabou, de vez em quando eu escrevia, mas sempre para mim. Nunca publiquei nada.
→ E em que momento a escrita deixou de ser só um desabafo e virou uma vontade mais profunda, artística mesmo?
Quando eu estava perto de fazer 40 anos, comecei a sentir uma necessidade muito forte de me expandir artisticamente. Sempre fui ligada às artes — fiz balé clássico por anos, danço sapateado até hoje, fiz aula de pintura, tocava piano...
Parecia que eu tava explodindo por dentro. Foi só depois dos 40, na verdade, que isso virou uma virada mesmo. Fiz uma revolução solar com uma astróloga, e ela falou: “Andrea, você deve estar sentindo vontade de voltar às suas origens, porque o seu mapa deste ano tá muito parecido com o do seu nascimento.” E eu tava sentindo exatamente isso!
→ Foi aí que você decidiu se assumir escritora?
Sim! No final de 2021, comecei a escrever newsletters com aquele friozinho na barriga de colocar a palavra no mundo. Em paralelo, fiz um curso com a Ana Holanda, de escrita afetuosa, e pensei: “Cara, eu quero isso pra minha vida. Não quero mais trabalhar na empresa da família. Quero escrever. Vou mudar tudo.”
Só que, nesse meio tempo, meu marido perdeu o emprego. Aí pensei: “Não posso largar agora.” Mas passei um ano e meio com essa angústia: “Não quero mais isso. Quero escrever.”
→ E você chegou a cogitar viver só de escrita?
Sim. Comecei a observar o que os escritores contemporâneos faziam. E percebi uma coisa: ninguém vive só de vender livros. Todo mundo tem outra atividade — a Carla Madeira, por exemplo, tem uma agência de publicidade; outros dão mentoria, fazem leitura crítica, dão aula…
E aí caiu uma ficha importante: eu não queria fazer nenhuma dessas coisas. Eu gosto de escrever. Só isso. E tudo bem. Isso me trouxe muita calma.
Hoje eu entendo que escrever é uma das minhas carreiras. Não é nem segunda, é paralela. Mas eu também sou marqueteira, empresária, trabalho na empresa da família. E, por enquanto, tudo isso convive junto.
→ E como você lida com a parte da divulgação, agora que lançou o livro?
Então… eu detesto ter que ficar promovendo meu livro o tempo inteiro (risos). E olha que eu sou marqueteira, gosto de propaganda! Falar sobre o livro, eu adoro. Mas esse negócio de “compra meu livro, compra meu livro”, tipo comercial de batom nos anos 90... não é pra mim.
Esses dias até falei isso na terapia, e ela me disse: “Andrea, você tem uma profissão que paga os boletos. A escrita é lucro. Se for te estressar, não vale a pena.” E é verdade. Não vale. Gosto muito disso tudo pra transformar em peso.
Então agora tô mais leve. Continuo fazendo post, marcando a editora, me movimentando… mas tirei a pressão. Quero que continue sendo gostoso. Já tô até pensando num próximo livro — um romance! E quero que ele venha como esse veio: como uma brincadeira que me empolga. Porque meu prazer é escrever.
→ Uma dica de leitura, além do seu livro, claro!
Na minha vida literária, quem me inspirou muito foi Luís Fernando Veríssimo. Acho que li tudo dele. Adoro as crônicas de pequenas observações do cotidiano, do humor ácido, dos diálogos…
→ Uma pessoa inspiradora?
Difícil. Hahaha. Podem ser duas?
Sou muito fã da Martha Gabriel, que é autora best seller, palestrante, marqueteira, que fala muito sobre inovação, negócios e futuro. Gosto dela não só por todo o conhecimento que ela compartilha, mas porque ela é uma pessoa muito humana, que, assim como eu, tem diversos interesses que parecem não ter nada a ver um com o outro, mas que se complementam no entendimento do mundo. Para você ter ideia, ela é engenheira de formação, com pós-graduação em arte. Exatas e humanas combinadas deram a ela uma visão de mundo excepcional.
A outra é a Ana Holanda, claro. Ela destravou a minha escrita, me empoderou, me enxergou como ser humana e ela tem esse super poder. Uma escritora e uma mulher maravilhosa.
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Confira algumas edições anteriores:
Marina Cyrino Leonel | Histórias que Inspiram #16
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Para o mundo que estou me achando! Obrigada pela chance de contar um pouco sobre minha história, Pri. A maternidade muda tudo e esse é um clichê extremamente verdadeiro.
Só um adendo: não jogo tão bem beach tênis assim. Jogo muito, mas não MUITO. Hahahahahhaha. Aliás, estava lá no beach tênis quando fizemos a entrevista.