Carol Milters | Histórias que Inspiram #09
"O primeiro burnout ruim. O segundo foi pior que o primeiro. Não quero arriscar e passar pelo terceiro burnout."
Uma vez por mês, eu compartilho histórias inspiradoras de profissionais que se reinventaram na carreira. Seja mudando de atividade, criando um projeto paralelo, ou trabalhando em uma nova carreira, sempre em busca de uma vida equilibrada e com significado. Pegue sua xícara de café e boa leitura!
Eu passei por dois burnouts em menos de 10 anos. Em nenhum deles eu sabia que estava doente e, sinceramente, achei que estava enlouquecendo. Hoje, 13 anos depois do primeiro episódio, sei que adoeci porque exigi demais de mim, mas também porque trabalhava em ambientes extremamente tóxicos.
Segundo dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout. Atualmente, o Brasil é o segundo país com mais casos diagnosticados no mundo.
Entre as profissões mais acometidas pelo burnout, estão os profissionais da saúde, principalmente médicos e enfermeiros; jornalistas; advogados, professores e psicólogos.
A síndrome do burnout é um dos motivos que grande parte dos profissionais que procuram meu trabalho de mentoria de carreira. A maioria está esgotada física e mentalmente, fica paralisada e não consegue pensar em como sair daquela situação.
Nesta edição, entrevistei a publicitária e escritora Carol Milters, uma das principais vozes sobre o tema no Brasil e que passou por dois burnouts em um intervalo de três anos. Atualmente, Carol mora em Tilburg, nos Países Baixos, e trabalha para divulgar os perigos da doença, os sinais de alerta e como buscar ajuda.
Ela é fundadora da 1ª Semana Internacional de Conscientização da Burnout e criadora do Burnoutados Anônimos, o primeiro grupo de apoio aberto e gratuito do mundo com encontros online mensais entre pessoas passando pela síndrome de burnout. Além disso, publicou os livros "Um passo por dia: Meditações para (re)começar quando preciso", e "Minhas páginas matinais: crônicas da síndrome de burnout".
Nada melhor do que uma especialista para alertar e tratar de um tema tão delicado.
→ A área da comunicação é muito estressante como mostram os dados. O seu primeiro burnout foi trabalhando com publicidade? Como aconteceu?
Comecei a trabalhar em uma empresa de TI que tinha uma área de publicidade interna. Apesar de não ser uma agência de comunicação, existiam vários desafios. Trabalhei na redação e passei pelas áreas de design e planejamento. Entrei na empresa como estagiária e saí sócia sete anos depois.
Eu gosto de desafios e sempre fui aquela pessoa que quando tinha algo novo alguém dizia, "ah, chama a Carol que ela resolve". Quando aconteceu, tinha 24 anos e era responsável pela operação de uma nova unidade de negócio com unidades em Porto Alegre e São Paulo.
Conforme a empresa ia expandindo, minhas responsabilidades também foram aumentando. Passei de estagiária, cargos de gestão até chegar à sócia mais jovem na empresa. Foi um crescimento exponencial em pouco tempo. Minha mente não acompanhou.
→ Quais foram os sintomas do burnout?
Eu estava o tempo todo doente. Eram infecções urinária, de garganta, intestinal. Durante uma viagem a Buenos Aires tive a pior noite da minha vida. Deveria passar a semana inteira na Argentina, mas não fiquei três dias. Voltei para o Brasil com muita febre e a garganta inflamada. Quando cheguei em Porto Alegre, pedi o primeiro afastamento por duas semanas. Lembro que o pessoal da empresa ficou indignado por isso. Vivia um período de muito trabalho. A empresa estava em expansão, eu viajava dentro do país e para o exterior. Com isso, as infecções foram ficando cada vez mais frequentes. Depois de um tempo, pedi outro afastamento. No dia que conversei com o CEO, ele me convidou para abrir uma filial da empresa em Nova Iorque. Imagina, eu estava zoada da cabeça e ele fez essa proposta. Não sei onde estaria se tivesse aceitado o convite.
→ E a vida pessoal, onde se encaixava?
Praticamente não existia vida pessoal. Meu noivo na época dizia que eu estava muito diferente. Realmente, eu tinha mudado muito, me tornei outra pessoa. O relacionamento acabou e voltei totalmente para o trabalho. Nessa época, comecei a beber muito para baixar a adrenalina porque vivia muito ligada. Ao mesmo tempo que tinha essa super velocidade, tinham os momentos de baixa. Eu não sabia o que estava acontecendo na minha cabeça, não sabia para onde estava indo.
→ Quando foi o ponto de virada, o momento do basta?
Três meses antes de sair da empresa, viajei para os Estados Unidos. Me dei conta que, apesar de estar em Nova Iorque, com toda aquela agitação, eu estava calma.
Eu pensava: "como essa cidade pode ser mais calma que a minha vida?". Lá percebi que sentia uma dor no peito há um ano.
Fiquei sem acessar meus e-mails durante toda a viagem. Essa desconexão fez com que enxergasse minha vida por outra perspectiva e questionasse o que estava fazendo com ela.
Quando abri meus e-mails não sabia o que fazer. Precisava responder tantas pessoas e com tanta competência que fiquei sobrecarregada. Quando voltei à empresa as pessoas reclamavam que eu estava muito devagar. Foi aí que a dor no peito voltou.
→ Esse foi o momento que você saiu do trabalho?
Fiquei mais algumas semanas e pedi mais um afastamento, dessa vez por tempo indeterminado. Eu não sabia o que queria da minha vida. Achava que vivia uma crise existencial. Depois de quatro meses longe, participei de uma reunião dos sócios e fiquei em silêncio porque não sabia o que dizer. Eu me senti desencaixada.
O ponto final aconteceu após um almoço com todos os sócios em que eles me achincalharam de todas as maneiras. Voltei para casa, minha mãe viu meu estado e me apoiou na decisão de sair de lá. Uma semana depois, o CEO me chamou para comprar a minha parte da empresa.
→ O que fez depois de deixar a empresa?
Eu precisava colocar o mundo no mudo e me ouvir, algo que não acontecia há muito tempo. Decidi fazer uma espécie de Comer, Rezar e Amar latino-americano. Visitei vários lugares e, na Patagônia chilena, conheci meu namorado que é holandês. Voltei para Porto Alegre, mas não fazia mais sentido ficar na cidade. Eu tinha medo de encontrar alguém da empresa. Até hoje, quando volto ao Brasil, não conto a ninguém por medo que eles saibam. Têm lugares em Porto Alegre que ainda não consigo ir. É uma sensação muito louca. Eu queria ir para um lugar o mais longe possível da situação que me adoeceu. Decidi fazer um mochilão pela Europa, reencontrei meu namorado que, na época, era apenas um amigo, e decidi que iria morar na Holanda.
→ Como foi a volta ao mercado de trabalho na Holanda?
Decidi, conscientemente, que seguiria no mercado da comunicação porque a mudança para a Holanda foi muito grande. Eu acreditava que não era o trabalho que tinha me adoecido. Na minha cabeça era eu que tinha pirado. Mas não foi assim. As duas empresas tinham características muito semelhantes e, tempos depois, já apresentava alguns sinais antigos de adoecimento.
Um dia estava no escritório da empresa em Amsterdã e recebi um e-mail do meu gestor sendo categórico quanto à minha participação em um evento na Alemanha. Eu já tinha avisado que não tinha por que ir, inclusive estava saindo de férias. Eu li a mensagem, fechei o computador, voltei para casa e nunca mais entrei em um escritório. No dia seguinte desse episódio em Amsterdã, tive uma crise de ansiedade e acordei nervosa, chorando e achando que estava tendo um ataque do coração. Meu namorado me acalmou.
Antes de sair da empresa, eu contratei uma coach para me ajudar a entender o que estava acontecendo. Foi ela que disse, pela primeira vez, que aquilo que eu tinha vivido em Porto Alegre e o que estava acontecendo agora era um burnout. Até aquele momento eu não tinha consciência e nem informação sobre a síndrome. Estamos falando de 2017.
→ Quais são os cuidados que você tem hoje com sua saúde mental?
Tenho consciência que sou workaholic e preciso estar atenta o tempo todo para não entrar naquele ciclo novamente. O meu trabalho é uma forma de autopreservação para eu mesma não esquecer, ficar atenta aos sinais e não adoecer novamente.
Eu escrevo o que preciso escrever, e publico o que preciso ler para não correr o risco de ter uma recaída. O segundo burnout foi pior que o primeiro. Não quero passar pelo terceiro.
Hoje, tenho muito mais clareza e menos risco de ter um outro burnout. Mas eu pago um preço financeiramente por essa escolha. É por isso que o Burnoutados Anônimos é acessível (gratuito), por que sei que tenho escolha, mas e quem não tem? As pessoas precisam saber o que é a síndrome do burnout para buscar ajuda.
Recentemente, fui diagnosticada com TDAH e transtorno de bipolaridade. Ainda estou me ajustando a esse cenário e estabelecendo novos limites. Faço terapia, meditação e atividade física para não colapsar. Além disso, tenho horários de trabalho bem definidos, pois, se deixar, eu me envolvo sem perceber o tempo parar.
→ Como a gente pode identificar o burnout?
O primeiro sinal é quando você anda com uma farmácia na bolsa e tem remédio para tudo. Não é normal sentir dor crônica. Ter dor de cabeça todos os dias, tensão e dor nas costas, dificuldade para dormir, insônia, são alguns dos primeiros sintomas de que tem algo errado. Nunca se sentir descansado também é um sinal de alerta.
Tem os sintomas emocionais como ansiedade frequente, depressão, por exemplo. Outro sinal importante é a despersonalização, quando a gente se perde da gente, não se reconhece mais. Falta de empatia e cinismo são outros sinais de alerta. Por último tem os sinais cognitivos, como dificuldade para fazer coisas que eram fáceis, dificuldade para ler e aprender, para tomar decisões que antes eram simples.
→ Como podemos evitar burnoutar?
Precisamos ouvir nosso corpo e nossas emoções. Reservar um momento no dia ou na semana para se ouvir e avaliar como está se sentindo. Perceber se está com alguma dor mais forte e permanente.
As pessoas não sabem, mas se colapsar com burnout, pode levar de dois a cinco anos para voltar ao que era antes do episódio.
→ Hoje você está em uma carreira que respeita seus limites?
Meu desejo é conseguir me relacionar com o trabalho de uma forma que eu consiga continuar encontrando sentido nele.
Além disso, o trabalho precisa ser meu sustento e também que eu possa reparar os danos que já tive e ainda tenho. Minha autoestima profissional ainda é arrasada por conta de tudo o que vivi até hoje.
Cada vez mais estou compreendendo que sou substituível como colaboradora, profissional. Mas não sou substituível como namorada, como filha, como irmã, como dinda das minhas afilhadas. É por tudo isso que preciso me cuidar, cuidar da minha saúde mental.
Eu me vejo como uma senhorinha daqui alguns anos em um estúdio com pintura por todos os lados. Meu namorado tem o sonho de abrir um hostel em Florianópolis e eu faço pinturas, escrevo meus livros de viagem. Entendi que eu sempre entro em sofrimento quando me afasto da minha arte e da minha espiritualidade que são sagradas pra mim.
→ Para encontrar a Carol
Instagram: https://www.instagram.com/carolmilters/
Burnoutados Anônimos: https://carolmilters.com/burnoutadosanonimos/
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Até a próxima edição.
Com carinho,
Pri