Flavia Machioni | Histórias que Inspiram #14
"Minhas prioridades mudaram ao longo dos anos, e tudo bem. O importante é ter clareza sobre isso e agir de acordo com o que faz sentido agora."
Uma vez por mês, eu compartilho histórias inspiradoras de profissionais que se reinventaram na carreira. Seja mudando de atividade, criando um projeto paralelo, ou trabalhando em uma nova carreira, sempre em busca de uma vida equilibrada e com significado. Pegue sua xícara de café e boa leitura!
Quando comecei a escrever a editoria Histórias que Inspiram, sabia que queria contar histórias reais, de mulheres que criaram seus próprios caminhos, muitas vezes fora dos roteiros tradicionais. Minha convidada desta edição entrou no meu radar de forma curiosa: percebi que várias novas assinantes da minha newsletter vinham do público dela. Pensei: preciso conhecer e conversar com a Flavia!
A Flavia Machioni começou sua trajetória profissional na comunicação, mas foi no universo da saúde e do bem-estar que encontrou sua voz. Criadora do blog Lactose Não, referência para pessoas com restrições alimentares, ela se tornou health coach e, recentemente, encontrou na escrita um novo espaço para se expressar. Sua busca por saúde não foi apenas acadêmica: foi vivida na prática, entre ajustes na alimentação, mudanças de cidade, viagens pelo mundo e a construção de uma rotina que reflete seus valores.
Depois de anos sem consumir derivados lácteos e glúten, adotando a atividade física como parte essencial do seu dia e testando novos caminhos profissionais e pessoais, Flavia compartilha sua experiência com quem deseja viver de forma mais consciente e equilibrada. Como ela mesma diz, “somos o resultado de uma série de mini escolhas diárias”. Então, como fazer escolhas que realmente nos levam para onde queremos estar?
Nesta conversa, falamos sobre mudanças de carreira, a romantização do trabalhe com o que você ama e o desafio de equilibrar trabalho e vida pessoal.
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→ Você começou sua trajetória na comunicação. Como foi essa escolha?
Como muitas pessoas, escolhi minha faculdade sem ter muita clareza. Meu plano era fazer Direito, porque sempre gostei de estudar e ler. Meu pai, inclusive, dizia que eu seria uma grande juíza, e isso ficou na minha cabeça. Mas ele faleceu quando eu tinha 16 anos, pouco antes do vestibular, e, quando chegou o momento de decidir, simplesmente mudei de ideia e escolhi Relações Públicas. Fiz o curso na Universidade Federal do Paraná, mas, durante a graduação, percebi que o mercado de RP no Brasil era bem restrito. Depois de formada, trabalhei com assessoria de imprensa e em agência de publicidade, mas não me encontrava ali.
Ao mesmo tempo, comecei a lidar com problemas digestivos que ninguém conseguia diagnosticar. Eu era super nova, mas vivia me sentindo mal. Até que, em 2012, descobri que tinha intolerância à lactose — quando ainda era tudo mato (risos), e não existiam produtos sem lactose no mercado. Comecei a pesquisar receitas e, como sempre gostei de blogs, resolvi compartilhar minhas descobertas.
→ O blog Lactose Não nasceu de uma necessidade pessoal?
Sim, totalmente. Eu sempre gostei de blogs e consumia muito esse formato quando era adolescente. Como não havia informações sobre o tema no Brasil e eu queria documentar minha jornada, ter um blog foi o caminho mais natural.
Como trabalhava em agência, os colegas me ensinaram sobre SEO, e o blog começou a crescer muito rápido. Nos primeiros meses, já tinha propostas de publicidade. Foi quando percebi que havia uma demanda e comecei a me dedicar mais. Durante um tempo, me dividia entre o trabalho na agência e o blog. Quando fui desligada do emprego CLT, pensei nos próximos passos e entendi que era o momento de testar o blog como minha principal atividade.
Nessa época, comecei a estudar nutrição e alimentação saudável. Eu gostava muito de cozinhar, e o blog acabou indo para esse lado de receitas. Fiz cursos no Brasil e em Nova York e, quando voltei, comecei a dar aulas de culinária saudável.
→ Esse foi o momento que você deixou a comunicação para ter uma nova carreira?
Eu sempre fui levando as duas atividades ao mesmo tempo. Foram três anos viajando pelo país ensinando receitas sem lactose e criando conteúdo para o blog e redes sociais. Não considero que deixei a comunicação para entrar no mundo digital como uma transição de carreira, porque, sendo bem franca, eu ainda não tinha uma carreira estruturada. Eu estava no início e não me identificava muito com a profissão que exercia, então foi mais um processo de descoberta.
Hoje, entendemos melhor o que é um influenciador ou um criador de conteúdo, mas, na época, não era assim. Quando comecei, esse mercado ainda estava se formando.
→ O que parecia um hobby virou carreira. Isso foi planejado?
Nada planejado! Olhando para trás, parece uma trajetória linear, mas foi muito mais sobre testar, ajustar e seguir as oportunidades que surgiam. Eu me joguei, fui descobrindo e construindo conforme andava.
E, no fim, fazia sentido. Eu tinha formação em comunicação, trabalhava com mídia e entendia do assunto. Então, fui aplicando as ferramentas que aprendi na faculdade e a experiência que tive no mercado. Talvez por isso eu tenha levado a produção de conteúdo tão a sério desde o início—porque sempre me enxerguei como um veículo de informação.
→ Mas trabalhar com o que você ama tem um custo, né?
Com certeza! No começo, é maravilhoso, mas, depois de alguns anos, a relação muda. Trabalhar com algo que você ama significa que você depende daquilo para viver. Passei a sentir uma exaustão absurda, principalmente na pandemia, quando tudo se intensificou. Eu vendia muito, mas não tinha mais energia para aquilo. Foi quando comecei a me perguntar: é isso que quero para o resto da vida?
Minha vida profissional sempre esteve atrelada a algo que me interessa profundamente, e isso tem um lado bom e um lado péssimo. É ótimo enquanto faz sentido, mas, quando o cansaço se acumula, a linha entre trabalho e vida pessoal desaparece.
Meu nome virou minha marca e, sem mim, o negócio não andava. Cheguei ao ponto de pensar: eu odeio isso. Foi ali que percebi que precisava de uma pausa.
→ Você não sente falta de ter uma rotina com dias e horários fixos?
Já passei por essa fase! Teve um momento em que eu pensava: vou arrumar um emprego num café, servir café, dar bom dia para as pessoas, entregar um bolinho e pronto!. Principalmente quando morávamos em Toronto, eu falava para o meu marido: quero sair de casa e fazer algo simples.
Existe até um movimento chamado boring business, em que pessoas que trabalhavam com criatividade migraram para negócios mais previsíveis, como cafeterias, ou voltaram para o CLT. Antes de ter minha filha — que hoje tem dois anos e meio — eu pensava muito nisso. Mas hoje valorizo demais a flexibilidade que tenho para estar presente na infância dela, então um trabalho tradicional não faria sentido.
→ A mudança para o Canadá foi planejada como uma transição de carreira para você?
Não, a mudança aconteceu por conta do trabalho do meu marido. A ideia inicial era continuar tocando meu negócio de forma remota, já que eu tinha uma equipe ajudando na parte comercial. Mas, quando cheguei lá, percebi que os números não estavam batendo e decidi reduzir a equipe e tocar tudo sozinha. Na prática, isso significava estar à beira do colapso. Eu já vinha de um desgaste grande com criação de conteúdo e vendas, e assumir tudo sozinha só piorou.
→ O que te levou a considerar uma nova carreira como health coach?
Já fazia um tempo que eu flertava com essa ideia. No Canadá, a profissão de health coach é mais estruturada e reconhecida do que no Brasil, então pensei que poderia ser uma boa oportunidade. Meu plano era usar os primeiros meses lá para explorar esse caminho, enquanto mantinha meu negócio funcionando no piloto automático.
Mas, seis meses depois, engravidei — e a maternidade virou minha prioridade. Passei muito mal nos primeiros meses e, como estávamos longe da família, não consegui dar continuidade a essa transição de carreira, que, para mim, era muito mais um processo de experimentação do que uma mudança definitiva.
Foi nessa época que decidi criar minha newsletter no Substack. Sempre gostei de escrever e percebi que estava distante da escrita.
A newsletter foi minha forma de voltar a algo que fazia sentido para mim.
→ Por que você decidiu voltar para o Brasil?
Foi uma decisão conjunta com meu marido, pensando nas nossas carreiras. Além disso, depois do nascimento da minha filha, ficou claro para mim que eu não queria voltar ao mesmo ritmo de antes. No Canadá, estávamos sozinhos e sem rede de apoio, o que tornava tudo mais difícil, especialmente com uma bebê pequena. No Brasil, teria mais estrutura para reorganizar minha vida profissional.
Ao voltar, fiz um processo de design de carreira para entender como seguir adiante. Decidi focar em atendimentos como health coach, além de realizar palestras e workshops.
→ Você sente que sua carreira está em transição novamente?
Sim, estou num período de experimentação. Tenho trabalhado com health coaching e conteúdos sobre bem-estar, mas também me interesso pela ideia de um boring business — um negócio fora das redes, que não dependa da minha imagem. Ainda não encontrei o formato ideal, mas estou aberta a possibilidades.
O que mais tenho feito é tentar entender o que quero para minha vida, tanto profissional quanto pessoalmente.
Quando passei por uma crise com o meu trabalho, percebi que não gostava mais da minha rotina. Olhei para os meus dias e pensei: não gosto das minhas segundas, nem das sextas, nem dos fins de semana. Não gosto mais do meu dia a dia.
Foi um choque, porque eu sempre valorizei a independência financeira que construí, mas me dei conta de que, se continuasse naquele ritmo por mais três ou quatro anos, iria enlouquecer. Foi ali que decidi mudar. Desde então, cada escolha que faço na carreira leva isso em consideração: quero construir um caminho que me traga mais equilíbrio e satisfação real.
→ Onde entra a newsletter na sua vida?
Apesar de o blog ainda estar no ar, parei de escrever nele há uns cinco anos. Meu foco estava no Instagram, mas, depois que minha filha nasceu, fiquei um longo período sem publicar nada. Quando voltei, senti que precisava me reconectar com a Flavia profissional de alguma forma. Eu gosto de trabalhar, e a carreira é uma parte importante da minha vida. Foi aí que surgiu a ideia da newsletter.
Sempre amei escrever, mas passei anos focada apenas no Instagram e na venda de cursos. Criar minha newsletter no Substack foi uma forma de resgatar isso — “falar” com menos pessoas, mas com quem realmente quer me ouvir. Apesar de não ter tanta interação, vejo pelos números que as pessoas continuam abrindo e lendo. Quando encontro alguém na rua e a pessoa menciona a newsletter, isso me dá uma sensação parecida com a dos tempos de blogueira raiz. Sempre foi isso que mais me encheu o coração: perceber que o que escrevo tem relevância para alguém.
Com tudo isso, ao voltar para o Brasil, fiz um processo de design de carreira com uma amiga que estava passando por um caminho semelhante ao meu. Esse exercício reforçou ainda mais o valor da newsletter para mim. É ali que estão as pessoas mais interessadas no conteúdo de fato, e isso criou uma comunidade pela qual tenho um carinho enorme. Gosto dessa troca genuína, mesmo que mais silenciosa do que nas redes sociais.
→ Qual conselho você daria para mulheres que estão em dúvida sobre a carreira?
Algo que tem me ajudado muito é conversar com pessoas. O que estamos fazendo aqui, por exemplo. Marcar cafés, trocar ideias, sair da nossa bolha. Muitas vezes, a resposta não vem do dia para a noite, mas do processo de experimentação. E, acima de tudo, entender o que faz sentido para o momento atual da vida.
Minhas prioridades mudaram ao longo dos anos, e tudo bem. O importante é ter clareza sobre isso e agir de acordo com o que faz sentido agora.
→ Uma dica de leitura.
Tem um livro que eu adoro e que é muito bom para quem está nesse dilema de trabalhar fazendo o que ama. É o Bom Demais Para ser Ignorado, do Cal Newport.
→ Uma pessoa inspiradora para você.
Poderia dizer que a comunicadora americana Oprah Winfrey — que é absolutamente incrível — me inspira. Mas, ultimamente, tenho conversado com tantas mulheres — colegas de faculdade, amigas, profissionais de saúde, empresárias, autônomas — e cada uma delas me inspira com suas histórias. Seja pela forma única como conciliam os diversos papéis da vida com um plano, projeto ou ideia em construção, posso afirmar que, hoje, minha maior inspiração vem de ouvir outras mulheres.
Nos encontramos na próxima edição do Histórias que Inspiram!
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Confira algumas edições anteriores:
Ale Garattoni | Histórias que Inspiram #13
Uma vez por mês, eu compartilho histórias inspiradoras de profissionais que se reinventaram na carreira. Seja mudando de atividade, criando um projeto paralelo, ou trabalhando em uma nova carreira, sempre em busca de uma vida equilibrada e com significado. Pegue sua xícara de café e boa leitura!
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Carreiras Múltiplas é mais do que uma newsletter – é um convite para você explorar novas possibilidades.
Se você está buscando equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, este espaço é para refletir, aprender e construir um caminho alinhado com os seus valores. Porque uma carreira autêntica começa com escolhas que fazem sentido para você.
História linda e inspiradora! Aborda uma verdade que muitas mulheres passam, que envolve tantas escolhas e passar por tantos processos para equilibrar as diversas áreas da vida, principalmente com a formação de uma família.
Pri! Quanto tempo, que legal, hoje o substack me enviou email com pequenos fragmentos de newsletters e esse seu texto estava indicado. Que alegria foi ver seu nome!