81 - Eu só percebi que estava doente quando meu marido ofereceu pedir demissão por mim
Um relato pessoal sobre como o trabalho pode nos engolir — e como sair desse ciclo.

Oi!
Em 2012, eu não sabia o que era burnout. Não se falava tanto sobre saúde mental no trabalho, e a ideia de que o cansaço extremo poderia ser mais do que "falta de resiliência" era praticamente inexistente. Mas o meu corpo sabia. Meu corpo gritava.
Acordar era um peso. Todo dia, perto das 5h, eu saía da cama antes do meu filho, Pietro, acordar. Queria ter um momento meu, mas a verdade é que eu me sentia insuficiente. Como se todo tempo livre devesse ser preenchido por algo produtivo. Fazia uma caneca gigante de café e, antes das 6h, já estava consumindo conteúdos técnicos, estudando para me tornar uma profissional melhor. No fundo, era só uma tentativa desesperada de compensar o que eu achava que eram minhas falhas.
O dia passava num turbilhão de tarefas. Eu liderava uma equipe de oito pessoas numa agência de comunicação interna que atendia grandes empresas. Entre entregas, reuniões e viagens, eu voltava para casa chorando. Não percebia que estava em um relacionamento tóxico com aquela empresa. Meu marido, Márcio, percebeu antes de mim. Um dia, ao me deixar no trabalho, viu as lágrimas e disse: "Se você não pedir demissão, eu peço por você. Não aguento mais te ver assim".
Lembro exatamente desse dia. O carro quente, abafado, parado no trânsito de Porto Alegre. Pietro na cadeirinha, brincando sem entender. Era final de março. Uma semana depois, eu fui demitida.
A sensação foi confusa. Eu sabia que ia acontecer. A dona da agência me chamou para conversar e me sentou numa sala de reuniões envidraçada, bem na passagem da escada. Enquanto ela listava, durante quase uma hora, todos os meus erros, eu chorava. O tempo todo, via toda a equipe da empresa passando do lado de fora, algumas olhando com pena, outras desviando o olhar. E sempre tem aquelas que sentem um certo prazer, um alívio por não serem elas ali. No fim, eu saí carregando uma caixa com minhas coisas (quase cena dramática de filme americano) e uma sensação esmagadora de fracasso. Eu tinha certeza de que minha carreira nunca mais teria um ponto alto.
As empresas fazem você acreditar que só ali existem oportunidades para crescer. Que sem elas, você não é nada. E, por muito tempo, eu acreditei nisso.
#01 - por que tantas pessoas estão adoecendo no trabalho?
O que eu vivi em 2012 não era exclusivo meu. Em 2023, escutei frases muito parecidas de vários clientes de mentoria de carreira:
"Estou cansada do meu trabalho atual. Preciso mudar para algo mais leve."
"Preciso fazer algo diferente, mas não sei nem por onde começar."
"O problema sou eu ou o ambiente que estou?"
O burnout, que só foi reconhecido pela OMS como doença ocupacional em 2022, tem levado milhares de profissionais ao esgotamento total. O Brasil é o segundo país com mais casos no mundo. A volta ao presencial, a sobrecarga, a falta de flexibilidade, ambientes inseguros—tudo isso está no topo das queixas.
Ao longo do tempo, fui aprendendo a ler os sinais de esgotamento. Aquele momento no shopping com o Pietro e o Márcio foi um deles. Era um domingo, 19h. Estávamos jantando quando abri meu e-mail pelo celular. Um cliente insatisfeito. Uma reclamação que eu só poderia resolver na segunda. Mas o fato de acreditar que precisava estar sempre alerta estragou o meu único momento de descanso. Eu não estava presente.
O burnout não é só cansaço, é um estado de hipervigilância.
#02 - o futuro do trabalho passa pela saúde mental
O mundo está mudando. Em 2024, 10% dos trabalhadores ocupam cargos que nem existiam nos anos 2000, e 87% dos brasileiros se sentem sobrecarregados. O cansaço virou norma, mas isso não precisa ser assim.
90% dos profissionais brasileiros considerariam trocar de emprego por questões de saúde mental. 83% conhecem alguém que precisou se afastar por isso. Apenas 50% se sentem confortáveis para pedir ajuda no trabalho. A urgência desse tema é real, e as empresas que não enxergarem isso ficarão para trás.
O que eu aprendi nos últimos anos é que saúde mental não é sobre um grande gesto. Não é só sobre mudar de emprego ou viajar por um mês para "desconectar". É sobre pequenas mudanças diárias. Sobre entender que acordar 30 minutos antes para estudar pode ser útil, mas também pode ser um peso que destrói seu descanso. É sobre saber que pedir ajuda não é fraqueza, é sobrevivência. É sobre cultivar redes de apoio, estabelecer limites e normalizar conversas sobre exaustão.
O burnout não tem que ser um rito de passagem. O futuro do trabalho precisa ser diferente. E essa mudança começa com cada um de nós.
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Essa edição foi embalada ao som de Jorge Drexler, mais precisamente “Todo Se Transforma”. Porque, no fim das contas, é disso que a gente fala por aqui: mudanças, transições e os pequenos movimentos que, quando a gente menos espera, criam algo novo. Se quiser entrar no clima, coloca a música para tocar e me conta: o que está se transformando por aí?
Disfrútalo! 😉
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passei por algo parecido no final de 2022. eu, que já sou hipervigilante desde a infância, chorei de cansaço numa reunião online de trabalho. pedi demissão daquele job (eu era freelancer, na época) na mesma semana. entendi que empresa nenhuma vai estabelecer limites e pensar no meu bem-estar. eu preciso fazer isso por mim primeiro, e é o que tenho tentado, desde então. que bom saber que, apesar do baque, você conseguiu se recuperar e hoje se sente mais em equilíbrio e realizada <3
Eu vivi tudo isso em 2023, fui desligada em 2024 logo no início. Os olhares realmente fazem uma diferença no dia da assinatura do destrato. Hoje eu também entendo que eu estava viciada em produzir, uma busca constante por me validar ou por me validarem. Nada disso adiantou. Gostaria que alguém tivesse dito que eu se desligaria por mim. Hoje eu enxergo que a porta está sempre aberta, mas por conta de como estamos mentalmente não conseguimos girar a maçaneta. Graças a Deus estou dando a volta por cima. É bom saber que eu nao era fraca lendo relatos assim. Vamos em frente!