88 - Parece que estou sempre devendo algo pra alguém imaginário
Um texto sobre correria silenciosa, expectativas invisíveis e a urgência crônica que a gente sente (mesmo quando ninguém está cobrando nada).

Oi!
Na última semana, abri a mensagem com a minha contadora e simplesmente joguei todos os documentos pra ela fazer a declaração de IR do Márcio. Uns dez arquivos, no mínimo (e olha que talvez nem fossem tantos assim). Só depois percebi que nem tinha perguntado como ela estava.
Foi então que chegou a mensagem dela:
“Oi, boa tarde. Tudo bem com você?”
Meu rosto corou de vergonha. E agradeci mentalmente por ela não estar do outro lado da câmera. Na mesma hora, pedi desculpas e confessei:
“Cheguei despejando as informações e nem perguntei de você 🫣.”
Ela, gentil como só, respondeu:
“Tá tudo certo… é a correria da vida, amiga. Super te entendo.”
E eu, meio sem filtro, meio exausta, soltei:
“Pior que é mesmo... parece que estou sempre devendo algo pra alguém imaginário.”
Essa frase me acompanhou nos últimos dias. Muitas vezes, a sensação que tenho é como se existisse uma fila invisível de tarefas, entregas e pessoas esperando algo — e eu estivesse constantemente atrasada pra tudo.
E o mais curioso: não é só sobre fazer as coisas em cima do laço (expressão gaúcha para “entregar no último segundo”; ou “aos 45 do segundo tempo”). É sobre viver como se houvesse uma corrida permanente — uma espécie de urgência crônica — que rouba o fôlego, a leveza, o silêncio.
“Você não está ansioso, está vicioso. Tudo precisa sair do seu jeito e quando a realidade age como ela é, imprevisível e incerta, você chama de ansiedade, mas eu chamo de resistência à vida. A vida não te deve previsibilidade. O Universo não segue o seu plano. Precisamos soltar e nos libertar desse ciclo.” — trecho da news da
clarissagrendene.substack.comNão é só uma sensação individual. Segundo dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout. Atualmente, o Brasil é o segundo país com mais casos diagnosticados no mundo.
Não à toa, a palavra do ano de 2024 escolhida pela Universidade de Oxford foi “brain rot” (algo como “cérebro derretido”). O termo surgiu pra falar do excesso de conteúdo raso que a gente consome online — mas a escolha diz muito sobre o nosso tempo. Vivemos num ritmo que parece derreter a mente: é notificação, é prazo, é conta, é autocobrança. Parece que estamos sempre devendo algo pra alguém, mesmo que esse alguém nem exista.
Esse sentimento de estar sempre em débito (mesmo com coisas que ninguém nos cobrou) é um sintoma disso. E também um lembrete de que talvez estejamos todas tentando entregar demais pra dar conta de uma expectativa... que nem sempre é real.
E se a gente parasse pra perguntar: quem, afinal, são essas pessoas imaginárias que achamos que estamos decepcionando?
Será que a gente não precisa mais de dias com menos urgência e mais presença? Menos fila invisível, mais clareza do que realmente importa?
Por aqui, sigo treinando esse olhar.
Sigo tentando reconhecer que nem tudo é pra já. Nem tudo é pra ontem. E nem toda culpa vem de algo que deixei de fazer — às vezes, vem só do cansaço de tentar dar conta de tudo.
Com carinho (e tentando respirar fundo entre uma urgência e outra),
Pri
Se esse texto te fez respirar um pouquinho mais fundo, compartilha com alguém que também vive em dívida com os próprios dias. Às vezes, tudo o que a gente precisa é lembrar que não está sozinha nessa corrida invisível.
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Quando decidi escrever este texto, a primeira música que pensei foi Lentro, da Julieta Venegas. A melodia suave e a letra delicada (“quiero darte un beso lento...”) combinam com o pedido da news de hoje: um convite pra respirar entre os excessos, desacelerar as cobranças invisíveis e lembrar que a vida não precisa ser uma maratona pra fazer sentido.
Encante-se! 😉
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