03 - Sua idade o define? | Carreiras #03
Em pouco tempo, pessoas de cinco ou seis gerações estarão convivendo no mesmo ambiente de trabalho, apontam especialistas.
“A idade é um simples preconceito aritmético.” — George Louis Leclerc, Conde de Buffon
Quando eu entrei na faculdade de jornalismo aos 17 anos (isso foi em 1996) uma das minhas colegas de turma era a Sônia. Gente boa, sempre oferecia carona, divertida, vaidosa, estava sempre maquiada, de salto alto, cheia de pulseiras nos pulsos. Quando ela falava, a gente parava para ouvir. Lembro que ela gesticulava muito com as mãos e isso sempre me chamou a atenção, pois eu faço o mesmo.
A Sônia era mega divertida. Nos acompanhava em festas, tomava uma cervejinha e gostava de contar histórias. A Sônia tinha 50 anos, era casada, mãe de dois filhos e ia se tornar avó. Ela estava fazendo sua primeira graduação. Nos corredores ela sempre cruzava com o filho de 18 anos que cursava direito. Ela nos contava que não conseguiu fazer faculdade quando era jovem, pois não tinha condições financeiras. Casou, teve filhos e o tempo passou. Naquela época, 27 anos atrás, ninguém sabia o que era etarismo. A gente convivia com a Sônia numa boa. No fundo, era bom ter uma pessoa com mais idade para compartilhar histórias e nos auxiliar em momentos não tão bons.
Lembrei da Sônia depois que viralizou o vídeo das três jovens debochando da colega de faculdade que tem 44 anos.
Lembrei também de tantas pessoas que eu converso, que são 40+, 50+, 60+ anos e que têm a mesma preocupação: “estou muito velho para mudar.”
Eu tenho 45 anos e estou passando por uma transição de carreira. Na anterior eu tinha 40 anos. Eu nunca pensei “estou muito velha para isso” sempre que o tema era a minha vida profissional. Foi quando eu comecei a estudar sobre Carreiras Múltiplas é que descobri que esse medo existe e é muito enraizado em nossa sociedade.
Precisamos compreender que temos uma trajetória que não pode ser deixada de lado, esquecida. Nosso principal ativo na carreira é nossa experiência profissional. Se preocupar com o que os outros vão falar, se está velho demais para mudar, ou se vai precisar começar tudo do zero, são crenças que não nos levam a lugar algum. Pelo contrário, pois nos faz paralisar diante da possibilidade de sermos felizes em uma nova carreira.
Definição de etarismo: “discriminação e preconceito baseados na idade, geralmente das gerações mais novas em relação às mais velhas.” — Academia Brasileira de Letras (ABL)
Estamos vivendo mais, isso é fato. Em 2019, a expectativa de vida do brasileiro era em média de 76,6 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ainda segundo o órgão, 33,9 milhões de brasileiros têm hoje mais de 60 anos e representam 16% da população. Em 2050, serão 68,1 milhões - ou 30% do total.
Se teremos uma vida mais longa, por que não aproveitá-la da melhor maneira possível: sendo útil, realizando, experimentando, vivendo, compartilhando. Já ficou para trás o tempo em que pensávamos que só seríamos felizes depois da aposentadoria. Confesso que não me imagino parando de trabalhar. A imagem que tenho em mente é de me reinventar cada vez mais.
Fases da vida - os setênios
Talvez você já tenha ouvido falar que a vida é dividida em ciclos de 7 em 7 anos. A antroposofia é uma área que estuda o tema e utiliza essa organização em forma de setênios. Dos 35 ao 42 anos estamos no sexto setênio, que é quando geralmente surge a necessidade de encontrar um propósito maior para nossa vida. Apesar de conquistas em diversas áreas, mesmo tudo estando aparentemente bem, as pessoas podem se sentir vazias e angustiadas. Muitas duvidam da própria capacidade de manterem o que foi conquistado. É o momento de rever a história da vida, fazer um balanço. Muitos mudam de profissão ou iniciam uma segunda carreira neste período.
Não é à toa que 90% dos profissionais que passam pelas minhas mentorias estão nessa faixa etária. E, por incrível que pareça, as mulheres são maioria. Eu percebo esse senso de urgência em querer fazer algo que faça sentido para quem eles são naquele momento atual de vida. A pandemia acelerou tudo, principalmente o fato da gente não querer esperar mais nada. Eu tinha um desejo de voltar a escrever e estava adiando há muito meses. Foi preciso uma crise depressiva e outras de ansiedade para eu fazer comigo o que faço com os mentorados: não esperar o dia perfeito para ser feliz. Escrever é algo que enche meus dias de felicidade. Por que esperar quando tiver tempo para isso?
Se você tem mais de 35 anos, talvez este seja o momento de repensar sua trajetória até o momento. Se você está infeliz na carreira, será que vale a pena seguir nela, correndo o risco de viver assim por mais 20, 30, 40 anos? Nunca é tarde para mudar!!!
“E eu quero falar para as pessoas também de 40+, que são discriminadas, que são postas à prova , que também choram à noite quando chegam da faculdade porque sofreram discriminação: não desista do sonho, porque é ele que nos move, é ele que nos deixa vivos.” — Patrícia Linares, estudante de biomedicina que sofreu preconceito por começar a estudar com 44 anos.
Quem começou depois dos 40 anos
A vencedora do Oscar deste ano, a atriz malaia-chinesa Michelle Yeoh, tem 60 anos.
A apresentadora Ana Maria Braga começou a apresentar programas na TV aos 43 anos.
A modelo e apresentadora Angelita Feijó faz o curso de Direito. Ela ingressou na faculdade aos 51 anos.
A ex-modelo internacional Ana Claudia Michels deixou as passarelas, casou-se, tornou-se mãe e cursou Medicina. Este ano ela conclui o curso e está fazendo residência médica no Hospital de Clínicas de São Paulo.
Sabe o que me chamou a atenção enquanto eu fazia essa pesquisa? A maioria dos textos que encontrei retrata mulheres que se reinventaram depois dos 40 anos. Será que esse movimento é mais aceitável quando se trata dos homens e não "merece” uma reportagem?
O que os baby boomers podem aprender com a geração do milênio no trabalho - e vice-versa
Esse TED do americano Chip Conley é de 2018, mas ainda segue muito atual. Ele narra como foi seu primeiro contato com os colegas no novo trabalho, o Airbnb. “Fui convidado pelos três cofundadores da geração Y (os millennials) para ingressar em sua empresa e ajudá-los a transformar essa startup de tecnologia de rápido crescimento em uma marca de hospitalidade mundial, bem como para ser o mentor interno do CEO Brian Chesky.”
A contração de Chip deve ter um motivo relevante: ele foi empreendedor de um hotel boutique dos seus 26 aos 52 anos. Talvez ele tenha alguma experiência para compartilhar com os colaboradores do Airbnb, uma marca que em 2022 teve um lucro de US$ 8,4 bilhões, né?
Em um dos trechos do vídeo, Chip traz um reflexão bem importante: “Estamos, na verdade, trabalhando até mais tarde na vida e, no entanto, estamos nos sentindo cada vez menos relevantes. Alguns de nós nos sentimos como uma velha caixa de leite, com uma data de validade marcada em nossas testas enrugadas. Para muitos de nós na meia-idade, não é apenas um sentimento, é uma dura realidade, quando perdemos o emprego e o telefone para de tocar. Muitos de nós, com razão, nos preocupamos que as pessoas vejam nossa experiência como um passivo, não um ativo. Vocês já ouviram a velha frase, ou talvez a frase relativamente nova: "Os 60 são os novos 40, fisicamente". Certo? Quando se trata de poder no local de trabalho hoje em dia, os 30 são os novos 50. Está bem, tudo isso é muito emocionante, certo?
Não vou dar spoiler de todo o vídeo. Reserve 12 minutos do dia para assistir clicando aqui.
Links da semana:
A Natura fez uma campanha em 2016 sobre o que, teoricamente, pelos olhos da sociedade, as mulheres são velhas demais.
Na última semana o Jornal Nacional repercutiu o caso das estudantes que hostilizaram a colega de aula que tem mais de 40 anos. Além de relembrar o caso, a reportagem apresentou revelou que nos últimos 10 anos, a faixa etária de estudantes que mais cresceu foi a turma de 60 anos ou mais.
Indicações da Pri
Livro “Nunca é tarde para mudar” da americana Julia Cameron, a mesma autora do best-seller “O Caminho do Artista".
Presidente da França, Emmanuel Macron aumenta idade de aposentadoria sem aprovação de deputados
Playlist da semana
Sou fã de músicas dos anos 50, 60 e 70. Especialmente com essa balada soul. Esta newsletter foi escrita ao som desta playlist que eu amo!
Obrigada!!!
Nos vemos na próxima semana!
Com carinho,
Pri
Na minha sala da primeira graduação também tinha uma Sônia, e ela estava sempre cheia de energia e empolgada por finalmente estar cursando algo que ela queria muito 🥰 hoje eu faço minha segunda graduação com 39, e talvez daqui a pouco seja a Sônia das minhas colegas...espero que sejam bons encontros e que eu possa ser uma referência positiva pra elas, assim como tive algumas quando tinha 18 anos. Amei o texto!
Parabéns pelo excelente texto e tema! Uma reflexão super necessária! Acho que tudo isso é fruto do caminho “automático” que acabamos seguindo ao longo do 18-30 anos, só porque pensamos que é o que deve ser feito: escolher a faculdade que nos dará a profissão “da vida toda”, trabalhar, ganhar dinheiro, entupir o currículo com mais e mais adicionais... e no fim, passamos dos 30 e começamos a refletir sobre essas escolhas e sobre como elas impactam a nossa qualidade de vida. Que bom que cada vez mais pessoas estão percebendo que sempre é tempo de desacelerar ou de recomeçar!